Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) autorizou uma mulher de 38 anos a utilizar o saldo do seu Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para custear um tratamento de fertilização in vitro.
A medida inédita reacendeu discussões sobre os limites legais do uso do fundo e abriu margem para interpretações mais amplas, principalmente em casos de saúde não contemplados pela legislação atual. A seguir, entenda o impacto da decisão, o histórico de saques por saúde, o custo do tratamento e os desafios enfrentados por outros grupos, como casais homoafetivos.
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O que motivou a decisão judicial?

Diagnóstico de infertilidade e baixa reserva ovariana
A trabalhadora, residente na jurisdição do TRF-3 (São Paulo e Mato Grosso do Sul), recebeu diagnóstico de infertilidade primária e baixa reserva ovariana, condição que reduz as chances de gravidez natural. Exames médicos comprovaram que a única alternativa viável para engravidar seria por meio da fertilização in vitro (FIV), procedimento que pode custar até R$ 30 mil por tentativa.
Direito à saúde e dignidade humana
Com base nos laudos médicos apresentados, o tribunal entendeu que o direito à maternidade está diretamente relacionado à dignidade da pessoa humana. Dessa forma, autorizou o saque do FGTS mesmo que a condição não estivesse entre as doenças graves previstas em lei, como câncer ou cardiopatia.
Entendimento jurídico e repercussões
Posição da Justiça
A decisão se fundamentou na Constituição Federal, que garante o direito à saúde como um direito social. O relator do processo reforçou que o FGTS pertence ao trabalhador e pode ser usado para garantir acesso a tratamentos essenciais à qualidade de vida.
Resistência da Caixa Econômica Federal
A Caixa Econômica Federal, responsável pela gestão do FGTS, tentou barrar a liberação dos recursos, argumentando que o uso deveria seguir apenas as hipóteses legais. O recurso, no entanto, foi negado. O banco teme que decisões como essa comprometam a sustentabilidade do fundo, que também financia programas habitacionais e de infraestrutura.
Quanto custa uma fertilização in vitro?
Item | Valor estimado |
---|---|
Procedimento (por tentativa) | R$ 20.000 a R$ 30.000 |
Medicamentos hormonais | Até R$ 10.000 por ciclo |
Taxa de sucesso | 30% a 40% por tentativa |
Histórico de saques do FGTS por motivos de saúde
Nos últimos anos, o Judiciário tem ampliado o leque de doenças que justificam o saque do FGTS. Embora a legislação liste 17 condições, como hepatopatia grave e doença de Parkinson, decisões judiciais vêm autorizando saques para doenças raras, transtornos mentais graves e, agora, infertilidade.
Dados recentes:
- Em 2023, mais de 1,2 milhão de trabalhadores sacaram o FGTS por saúde;
- Foram R$ 3 bilhões liberados nessas situações;
- Casos autorizados judicialmente não estão incluídos nessa conta.
Impactos e desdobramentos para os trabalhadores
Novas portas se abrem
A decisão pode beneficiar milhares de brasileiros. Cerca de 15% dos casais em idade fértil enfrentam dificuldades para engravidar, segundo o IBGE. A possibilidade de sacar o FGTS pode representar uma chance real para realizar o sonho de formar uma família.
Expectativa de aumento em ações judiciais
Advogados especializados em direito do trabalho já apontam para um provável aumento nas ações judiciais com o mesmo pedido. A jurisprudência formada pode servir de base para novos casos.
Limitações e desigualdades no acesso
Casais homoafetivos ainda enfrentam barreiras
A legislação atual só permite o saque do FGTS por motivo de infertilidade médica. Isso exclui, na prática, casais homoafetivos que buscam o tratamento apenas para formar uma família, mesmo que tenham saldo no fundo.
Acesso à Justiça é desigual
Para conseguir autorização judicial, é necessário apresentar laudos médicos, ter acompanhamento jurídico e esperar meses por uma decisão. Isso dificulta o acesso de trabalhadores de baixa renda.
SUS tem cobertura limitada
O Sistema Único de Saúde oferece fertilização in vitro em hospitais públicos, mas a fila de espera pode ultrapassar dois anos. Além disso, poucas unidades no país oferecem o serviço, como o Hospital Pérola Byington, em São Paulo.
Como funciona a fertilização in vitro?
Etapas do processo:
- Estimulação ovariana com medicamentos hormonais;
- Coleta de óvulos por punção;
- Fertilização em laboratório com esperma do parceiro ou doador;
- Transferência do embrião para o útero;
- Acompanhamento da gravidez.
O processo pode durar semanas e, frequentemente, exige mais de uma tentativa.
O que diz a lei sobre o saque do FGTS por saúde?
A atual legislação permite saque do FGTS nos seguintes casos:

- Doenças graves (aids, câncer, cardiopatia, entre outras);
- Situações emergenciais como calamidade pública;
- Compra de imóvel, demissão sem justa causa, aposentadoria.
A decisão judicial amplia esse entendimento, considerando o tratamento de fertilidade como uma necessidade de saúde.
O que ainda precisa ser regulamentado?
A ausência de uma legislação específica para o uso do FGTS em reprodução assistida deixa brechas interpretativas. A tendência é que mais decisões judiciais pressionem o Congresso a rever e ampliar as possibilidades legais de saque.
Conclusão
A decisão do TRF-3 é um marco importante no debate sobre o uso do FGTS em tratamentos de saúde. Ao reconhecer o direito à fertilização in vitro com recursos do fundo, o Judiciário reafirma o princípio da dignidade da pessoa humana. No entanto, a falta de regulamentação específica e as desigualdades no acesso à Justiça ainda limitam a aplicação mais ampla dessa medida.
Enquanto o Legislativo não avança na modernização das regras do FGTS, trabalhadores continuarão recorrendo à Justiça para garantir o direito à maternidade e à saúde integral.
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